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Dia da Criança surgiu há 100 anos no Brasil

A "Festa da Criança" remonta ao tempo em que meninos pobres trabalhavam e iam para a cadeia


Faz um século que 12 de outubro é o Dia da Criança no Brasil. A data nasceu de um projeto que foi aprovado pelo Senado e pela Câmara dos Deputados, e assinado como decreto em novembro de 1924 pelo presidente Arthur Bernardes e o nome era "Festa da Criança".


Documento do projeto de criação da Festa da Criança aprovado no Senado em outubro de 1924
Documento do projeto de criação da Festa da Criança aprovado no Senado em outubro de 1924 - Imagem: Arquivo do Senado

Diferentemente de hoje, o Dia da Criança não atendia aos interesses comerciais dos fabricantes e das lojas de brinquedos. Em vez disso, incitava a sociedade e o poder público a cuidar da educação, da saúde e do bem-estar das crianças.


Era uma época em que a infância não tinha direitos e as crianças pobres em geral não frequentavam a escola, eram obrigadas a trabalhar, vagavam em bandos pelas cidades e, se detidas por algum crime ou mera vadiagem, iam para a cadeia.


meninos pobres no início do séc. XX
Meninos pobres não podiam estudar; trabalhavam e iam presos no Brasil - Foto: Foto: Vincenzo Pastore/Instituto Moreira Salles/Agência Senado

Documentos históricos guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que a ideia original do Dia da Criança partiu do 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância e do 3º Congresso Americano da Infância, que foram realizados no Rio de Janeiro em 1922 como um único evento e fizeram parte dos festejos do centenário da Independência do Brasil.


A coincidência do Dia da Criança com a data do Descobrimento da América (12 de outubro de 1492), teve o objetivo de associar a imagem da nova geração à chegada de Colombo ao novo mundo e, assim, induzir todos os países americanos participantes do congresso no Rio a adotar a mesma data.


O objetivo, entretanto, não foi alcançado, já que cada país hoje celebra o Dia da Criança numa data diferente. O Paraguai, por exemplo, escolheu o dia 16 de agosto, que é feriado nacional. Nessa data, em 1869, as tropas brasileiras massacraram um batalhão formado por centenas de crianças guaranis num dos episódios mais sangrentos e traumáticos da Guerra do Paraguai.


Antes de 1924, no Brasil, país em que a laicidade passa despercebida até os dias atuais, o Dia da Criança era comemorado informalmente em 2 de outubro, data em que a Igreja Católica celebra o Dia dos Anjos da Guarda.


De acordo com o pedagogo Moysés Kuhlmann Júnior, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de livros sobre a história da infância e da educação no Brasil, a preocupação com as crianças brasileiras foi particularmente acentuada no decorrer do século 20.


"No período que vai da abolição da escravidão e da implantação da República ao centenário da Independência, ganharam força os debates em torno da modernização do país. Juristas, médicos e intelectuais frequentaram as exposições internacionais e os congressos científicos que aconteciam na Europa desde o fim do século anterior e apresentavam modelos de progresso para as nações. O cuidado com a infância era um dos requisitos para sair do atraso e entrar na modernidade", diz o professor.


A preocupação com as crianças, de acordo com Kuhlmann Júnior, foi um processo ambíguo, com duas facetas bem diferentes. Por um lado, houve a divulgação de cuidados básicos, mas até então pouco conhecidos, que beneficiaram toda a infância brasileira. A pediatria, especialidade ainda muito recente no Brasil, explicou que a falta de higiene em casa e a alimentação inadequada provocavam doenças que contribuíam com a elevada mortalidade infantil.


O médico Moncorvo Filho examina criança na epidemia de gripe espanhola de 1918
O médico Moncorvo Filho examina criança na epidemia de gripe espanhola de 1918: pioneiro na luta pela assistência infantil - Foto: Arquivo/Casa de Oswaldo Cruz

Organizador dos dois congressos de 1922 e precursor das políticas de proteção à infância no Brasil, o médico carioca Carlos Arthur Moncorvo Filho produziu material educativo alertando as mães para a ameaça das moscas à saúde, criticando o uso de mamadeiras de metal e chupetas, e defendendo o consumo de leite pasteurizado, que era novidade na época.


Por outro lado, o cuidado com as crianças também teve o objetivo de manter as camadas mais pobres da sociedade longe da criminalidade e de rebeliões populares e garantir a formação da mão de obra necessária para a agricultura, que ainda era o motor da economia brasileira, e a indústria, que já se desenvolvia.


"Futuro da Nação"


O historiador James Wadsworth, professor da Faculdade Stonehill, nos Estados Unidos, e pesquisador da assistência à infância brasileira, lembra que foi nesse momento de urbanização rápida, industrialização, imigração, epidemias, alta mortalidade infantil e agitação social e política (estouraram a Revolta da Vacina, greves operárias e rebeliões tenentistas) que surgiu o discurso de que as crianças eram “o futuro da nação”.


"Mais especificamente, as crianças pobres, por causa de sua força de trabalho potencial. Sendo o futuro da nação, elas deveriam ser cuidadas diretamente pelo Estado", diz o historiador.


"Claramente, toda a preocupação da elite brasileira com a infância pobre não tinha como fim garantir o bem dessas crianças, mas, sim, preservar o status quo e proteger a futura posição social, econômica e política dos seus próprios filhos", re sume Wadsworth.


Em 1912, o senador Francisco Glicério (SP) contou aos colegas que visitara o Instituto de Proteção e Assistência à Infância e lhes pediu que destinassem mais verbas do Orçamento federal a essa entidade filantrópica, que era mantida no Rio pelo médico Moncorvo Filho. À época, existiam entidades filantrópicas espalhadas pelo país que reproduziam o modelo do instituto de Moncorvo Filho.


Glicério defendeu que o Brasil investisse menos na importação de trabalhadores europeus e japoneses e priorizasse a formação de mão de obra nacional, por meio de estabelecimentos como o Instituto de Proteção e Assistência à Infância:


Data Comercial


Nos primeiros anos, as celebrações do Dia da Criança incluíam concursos de robustez infantil, visitas ao jardim zoológico, filmes gratuitos nos cinemas, desfiles de escoteiros, jogos de futebol, missas especiais, doação de roupas e brinquedos às crianças pobres e até mesmo ações de valorização do trabalho infantil.


Kuhlmann Júnior diz que, na década de 1930, empresas como Nestlé e Toddy aproveitaram o Dia da Criança para promover as marcas distribuindo leite condensado e achocolatado em escolas e orfanatos.


Segundo ele, foi na década de 1960 que passou a prevalecer a associação do Dia da Criança a presentes e a data ganhou o sentido comercial que permanece até hoje.



Com Arquivo do Senado

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