Modelo Eleitoral e Dinâmicas Partidárias Prejudicam Mulheres na Política
Com cotas para candidaturas femininas há quase 30 anos, o país ocupa a 132ª posição em ranking de igualdade de gênero que mede a situação de 180 países
Passados quase 30 anos da primeira legislação criada no Brasil para estabelecer cotas de gênero em candidaturas de eleições, a representatividade das mulheres na Câmara dos Deputados subiu de 6%, em 1998, para 18%, em 2022. Essa é uma evolução inferior se comparada com a de países como Argentina e México, que também adotaram medidas similares nas décadas de 1990 e 2000 e, hoje, registram 42% e 50% de presença feminina em seus parlamentos, respectivamente.
Para compreender por que o país avançou menos em relação a outras nações latino-americanas, pesquisas desenvolvidas em diferentes universidades têm mostrado que as características do sistema eleitoral e a dinâmica de partidos constituem barreiras à ascensão feminina na administração pública brasileira.
Dados da União Interparlamentar (IPU), organização internacional que mede a participação feminina em parlamentos de mais de 180 países, indicam que 73% dos políticos no mundo são homens. Apesar de a baixa representatividade feminina na esfera pública ser um problema global, a situação do Brasil parece ser crítica.
O país ocupa a 134ª posição no ranking de igualdade de gênero da IPU, o que representa o pior panorama da América Latina. Assim, embora as mulheres constituam mais de 50% da população brasileira, a participação feminina na Câmara dos Deputados é de 17,5%, enquanto no Senado é de 17,3%.
“Essa disparidade resulta em barreiras institucionais que colaboram para perpetuar a desigualdade de gênero na administração pública”, afirma a cientista política brasileira Malu Gatto, da University College London (UCL), no Reino Unido, que acaba de publicar o livro Candidatas – Os primeiros passos das mulheres na política no Brasil (FGV Editora, 2024). A obra foi elaborada com a também cientista política Débora Thomé, que faz pós-doutorado no Centro de Estudos em Política e Economia do Setor Público (Cepesp) da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, com bolsa da FAPESP.
A distribuição de recursos nos partidos tende a favorecer candidatos que já possuem capital político e eles, geralmente, são homens
Resultado de pesquisa desenvolvida entre 2021 e 2023, que envolveu a realização de 188 entrevistas com 102 candidatos de todo o país, sendo 79 mulheres e 23 homens, o trabalho cruzou informações levantadas nos depoimentos com dados eleitorais. “O objetivo foi mapear os obstáculos enfrentados por elas em suas trajetórias, especialmente no momento da candidatura, que historicamente vem sendo menos explorado em estudos acadêmicos”, informa Gatto.
De acordo com a cientista política da UCL, isso acontece, entre outros motivos, porque é mais fácil obter dados sobre as mulheres eleitas do que sobre as candidatas, que muitas vezes acabam não tendo equipes de apoio, dificultando assim o contato.
Os resultados do estudo indicam que uma das grandes barreiras enfrentadas por essas mulheres durante a candidatura envolve a falta de suporte de lideranças partidárias. Isso se traduz, por exemplo, na pouca visibilidade em comícios e nos convites feitos de última hora para reuniões de tomada de decisão. Além disso, apesar de a Emenda Constitucional nº 117, de 2022, determinar que 30% dos recursos partidários sejam destinados a candidatas, a regra nem sempre é cumprida e, muitas vezes, o dinheiro chega para elas por último, impedindo a realização de uma campanha eleitoral eficiente.
Outro problema relacionado com a questão financeira, segundo Gatto, é que as candidatas não recebem suporte legal e orientação sobre como podem gastar o dinheiro do fundo partidário. Com isso, diz a pesquisadora, muitas delas dependem de recursos próprios ou de voluntários para ganhar visibilidade pública e competitividade.
A violência foi outra questão mencionada pelas entrevistadas como um aspecto recorrente na experiência da candidatura. “As mulheres relatam episódios de xingamentos e ataques on-line vivenciados durante as campanhas, enquanto casos mais graves de agressões são frequentemente reportados por mulheres negras e transgênero, incluindo assédio sexual e ameaças diretas à segurança”, comenta a pesquisadora.
Gatto aponta ainda que, embora homens também sejam vítimas de violência, eles tendem a considerar as agressões como parte inerente do jogo político. “Já as mulheres identificam e denunciam essas práticas, destacando o impacto negativo que elas causam em suas campanhas e no âmbito pessoal”, compara.
Da Fapesp (Pesquisa Fapesp)
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